segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Filosofia de segunda

Democracia totalitária

Ainda bem que vivemos num país democrático, comemoram muitos.
Mas, quantos destes já pararam para pensar: o que é, de fato, a democracia?
Etimologicamente: democracia origina-se do grego. Demos significa povo e cratos, força, poder, por conseguinte, governo. O dicionário moderno não foge à origem da palavra: regime de governo onde o poder de tomar importantes decisões políticas está com o povo. De fato, na Grécia Antiga era assim. Os cidadãos em praça pública tomavam as decisões que diziam respeito à pólis. Política e Ética eram indissociáveis. Logo, governar, necessariamente, visava o bem comum.

Óbvio que eram outros tempos; as cidades eram infinitamente menores. Mas, será por isso, que nem resquícios desse sistema chegaram até nós? Enriquecemos a questão ao analisarmos algumas sociedades indígenas contemporâneas ainda não contaminadas pela cultura branca (principalmente a Xingu). Lá, o chefe não manda (na acepção que temos do termo). O cacique é aquele que conhece a história, a cultura, as tradições, e transmite isso ao seu povo. É o grande mediador de conflitos. Não dá ordens porque não há delegação de poder. Sem delegação de poder não há repressão. Sem repressão não pode haver dominação de um grupo por outro grupo, ou de um indivíduo por outro. Isso aponta na direção das utopias: uma sociedade que não precisa ter poder. E proporciona uma vivência para nós quase inimaginável: alguém nascer e morrer sem receber uma ordem sequer. O índio, na força de sua cultura, é um ser absolutamente auto-suficiente. Sabe fazer tudo de que precisa para viver – plantar, caçar, pescar, sabe fazer sua casa, fazer seu instrumento, fazer seus objetos de adorno, sua rede, sua esteira, sua canoa. Nasce e morre sem depender de ninguém para nada. A informação é aberta; o que um sabe todos podem saber. Ninguém se apropria da informação para transformá-la em poder. Em suma: o que há é a democracia do consenso.

O filósofo francês Jean Jaques Rousseau, ainda no século XVIII nos alertou quanto à ameaça corruptiva da “civilização”.
Discursivamente, para Rousseau, no princípio de tudo, havia uma sociedade que mal se percebia. Ao “chegar” a civilização, começa-se a divisão em famílias e criam-se os afetos. Estes, por sua vez, geram o sentimento de posse, fazendo com que uns se destaquem em relação ao todo. O sentimento de superioridade do homem sobre os outros seres vivos e sobre outros homens faz com que ele adquira consciência de si e comece a sua transformação do “natural” ao “social”, pervertendo assim a sua natureza.
O homem civilizado regula-se pelo amor próprio. Ao contrário, o homem natural de Rousseau guia-se pelo amor de si (disposição voltada para a preservação do ser singular) e pela comiseração (repulsa natural ao sofrimento de qualquer ser vivo especialmente o humano). A desigualdade social, então, é iniciada no movimento de apropriação da natureza pelo homem. Nesse momento, faz-se necessário o Estado (governo) para conter a instabilidade. Mas, ao invés de resolver, funda-se a sociedade política que perpetua a dominação do rico sobre o pobre (crítica à monarquia absolutista de sua época).
Obviamente não se deve tomar em sentido cronológico nem literal o problema filosófico de Rousseau. O que ele propõe com seu sistema é um resgate da natureza humana. Mas de maneira alguma suscita uma volta ao homem natural. Ele pensa numa civilização racional e moral que realize a natureza do homem. Um sistema fundado na Vontade Geral, que projete o Eu Comum da humanidade. Vontade geral não como sinônimo de vontade da maioria (já que esta pode ser o somatório de vontades individuais). Vontade geral tendo como pressupostos a comiseração e o amor de si.

Vivemos hoje num país onde, quando muito, prevalece o somatório das vontades individuais.
Talvez encontremos algumas saídas argumentativas: a “democracia” brasileira é demasiada jovem. Da Constituinte até hoje, contam-se apenas 21 anos. Não temos parâmetro sequer para nos compararmos conosco mesmo.
Mas, o que dizer da alienação política que assola a nossa nação?
Assistimos aos escândalos que, por sua constância midiática, não mais escandalizam. Exaltamos a honestidade como virtude ao invés de pressuposto.
Aplaudimos os discursos vazios do nosso Presidente que usa e abusa de frases feitas para ludibriar a população mais carente.
Conformamo-nos com programas assistencialistas que transformam o pobre em cárcere da esmola.
Observamos inertes à demolição ideológica do “partido dos trabalhadores” em detrimento à eleição presidencial, cabendo até conivência e apoio a antigos desafetos políticos.
Aceitamos o solapamento da liberdade com a obrigatoriedade do voto.
Etc. Etc. Etc.

Não. Definitivamente não vivemos numa democracia de fato. O que temos é uma democracia representativa com mofo nas entranhas. Um sistema manco no qual os representantes ainda dependuram. Uma política que flerta muito mais com o totalitarismo do que com a liberdade.

11 comentários:

Marcos disse...

liberdade é utopia. Ainda mais no Brasil.

Unknown disse...

Dentre as saídas argumentativas que você colocou, não acredito que o problema esteja na imaturidade do regime político democrático, mas em algo maior, que justifica também a alienação do povo.

O Brasil não deixou de ser uma colônia, do ponto de vista estrutural. O poder muda de mão, mas nunca sai do mesmo eixo dominante. Nosso sistema democrático foi tecido por falsos liberais, e é regido por falsos democratas. Acredito que esta ordem se manterá por muito tempo, e daqui há 300 anos, nossa democracia será uma criança retardada.

Arthur Dib disse...

Vou fazer apenas um comentário. Torpe? Talvez.
Mas ai vai:
Não é à toa que começa com demo!


Sucesso, patão!

Anônimo disse...

É certo que herdamos muito do processo anterior, mas, Não se deve tomar como padão as tribos indigenas, ou as polis gregas. Vivemos em um outro momento, em outro contexto-historico. Faltou focar mais a questão da midia, como criadora de ideologia burra, sem contar contar com a burocracia que se assola nesse pais, como meios de explorar e manipular. Devemos ver um sentido pragmtico para resolver questões de cunho politico-social, ou seja analisar o probema com um olhar contenporaneo. Alias, faltou um certo encaminhamento do problema, ou pelo menos, uma chamada de atenção para a solução do mesmo.

Matheus Arcaro disse...

Grandes anônimos têm contribuído para o debate no nosso blog. Fico feliz com o interesse. No entanto, especificamente na análise acima, faltou um pouco de bom senso. Diria eu que a leitura foi um tanto ingênua, para não dizer leviana.
Obviamente, tribos indígenas não foram tomadas (no sentido literal)como paradigmas da democracia. Tampouco a sociedade ateniense.
O intuito dessa breve reflexão foi abrir as possibilidades de observação sobre um problema latente da sociedade conteMporânea: a falência do sistema democrático.
Diriam os flósofos da educação que todo tema explorado, ou melhor, todo recorte usado para explorar um tema é arbitrário, pois, necessariamente, exclui as outras vertentes. Um viés contemporâneo, como por exemplo a influência midiática, seria plenamente possível. Mas preferi o panorâma histórico para a fomentar a discussão.De qualquer modo, fico satisfeito de tê-lo feito pensar,ao menos um pouco.

Abraços.

Anônimo disse...

VC fechou!!!
Parabens pelo equilíbrio.
Continue fazendo o povo pensar
Um abraço!

artchella disse...

A democracia em que vivemos é indiscutivelmente um regime totalitário mascarado pela ignorância do povo.
Todo regime político tem sua vida própria, ou seja, nasce, cresce e morre, retornando para onde se iniciou, isto é, para mente dos filósofos.... O regime político segue em ordem crescente e quando chega ao máximo, então, começa a decrescer, isto é, começa a voltar para seu estado de origem.
Pois bem, é isso que vem acontecendo em nosso pais...desde da 1° constituinte até os dias de hoje, percebemos que estamos regredindo no conceito de democracia.

Anônimo disse...

A reflexão feita pelo autor do artigo dá exemplos de democracia que na realidade não significam exemplos a serem seguidos. Na Grécia antiga só quem participava das decisões eram os cidadãos e os escravos eram excluídos de participarem. Isso é exemplo de democracia? Os indígenas têm seu próprio jeito de viverem e lidarem com seus problemas. É um jeito diferente do nosso. Isso não significa democracia. Não é verdade que eles não precisam de ninguém. É claro que eles precisam, pois se não precisassem não haveria a FUNAI para tratar de suas questões.

Anônimo disse...

Discordo do autor do artigo ao afirmar que o nosso presidente "usa e abusa de frases feitas para ludibriar a população mais carente". Quem faz essa afirmação, deve ser do lado da oposição ao governo. Pois um presidente que tem uma popularidade com 80% de aprovação, será que seus discurso são "vazios", como afirma o autor do artigo?
Na minha opinião, o presidente Lula tem sido coerente com discurso e a prática desde o primeiro mandato até agora. Porém, os seus opositores só veem o lado negativo. Que pena!

Rosane Araujo disse...

Históricamente teu texto estava bom. Mas logo descabou para uma postura ideológico. Tu misturasse a análise sobre a origem da democracia, importante e , escorregou para uma crítica, pessoal, às políticas do governo. Não concordo com a tua posição.
Se conheces bem a História do Brasil, sabes que a nossa histório foi construída de forma torpede. Não é, portanto, algo novo
A culpa está muito além deste governo. Teriamos que fazer uma análise bem mais aprofundada, pois, nossa história reflete o dominio de uma eleite que esteve mais de 500 anos no poder. O povo manteve-se afastado dos principais episódios históricos e alienado
Não delego responsabilidade do povo esta alienação!

Ricardo Gacki disse...

Parabéns pela iniciativa e pelo debate. Teu texto é direto, didático e você não tem medo de se posicionar. Denota personalidade. Discordo de quem acusa o texto de descambar. Entendo que o texto, dentro do pequeno espaço que lhe cabe, sai do lugar comum que segue a cultura de rebanho que só elogia o governo e se baseia em falsas estatísticas.