quinta-feira, 30 de abril de 2009

Teoria de quinta

Música de quinta

Disse Khalil Gibran: "Como a poesia, a música retrata os estados da alma e as ondulações do coração, e concretiza os pensamentos invisíveis, e descreve o que há de mais belo nos desejos e sensações do corpo”.
Poesia e música compartilham um elemento essencial: a rima. Esta pode se dar de várias maneiras:

Externa:
“Lembranças, que lembrais meu bem passado
Para que sinta mais o mal presente
Deixai-me se quereis viver contente
Não me deixeis morrer neste estado”
(Camões)

Alternada:
“Minha desgraça não é ser poeta,
Nem na terra de amor não ter um eco,
E meu anjo de Deus, o meu planeta
Tratar-me como trata-se um boneco”
(Álvares de Azevedo)

Intercalada:
“Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco”
(Augusto dos Anjos)

Emparelhada:
“Aos que me dão lugar no bonde
e que conheço não sei de onde,
aos que me dizem terno adeus
sem que lhes saiba os nomes seus”
(Carlos Drummond de Andrade)

Encadeada:
“Salve Bandeira do Brasil querida
Toda tecida de esperança e luz
Pálio sagrado sobre o qual palpita
A alma bendita do país da Cruz”

Misturada:
“A chuva chove mansamente... como um sono
Que tranqüilize, pacifique, resserene...
A chuva chove mansamente... Que abandono!
A chuva é a música de um poema de Verlaine...
E vem-me o sonho de uma véspera solene,
Em certo paço, já sem data e já sem dono...
Véspera triste como a noite, que envenene...
Num velho paço, muito longe, em terra estranha,
Com muita névoa pelos ombros da montanha...
Paço de imensos corredores espectrais,
Onde murmurem, velhos órgãos, árias mortas,
Enquanto o vento, estrepitando pelas portas,
Revira in-fólios, cancioneiros e missais”
(Cecília Meireles)

A rima é rica quando acontece entre palavras de classes gramaticais diferentes, por exemplo, entre “vagos” e “lagos”.
Infelizmente, o pensamento de Khalil Gibran não é contemplado na maioria das composições contemporâneas. O que mais ouvimos nas rádios são rimas dignas de esmola.
Tendo em vista esse défcit intelectual, Gustavo Martins, editor, roqueiro e jornalista elaborou uma pesquisa da incidência dos maiores lugares-comuns nas músicas mais tocadas entre 2001 e 2005, e os clichês mais usados nelas.
O pesquisador contabilizou 3.073 rimas que estiveram presentes nas 100 músicas mais tocadas, e chegou aos 11 pares de palavras mais batidas. “Assim” e “Mim” apareceram em primeiro lugar: a cada 50 rimas, uma teria esse encontro. Depois, seguem-se “Coração” e “Paixão” (“Coração”/ “Solidão” vem em 6º lugar, com 18 incidências; em 11º lugar, “Coração”/ “Mão”). “Mas o mais patente vício combinatório parece ser o das palavras sorriso/paraíso. Todas as ocorrências da palavra ‘paraíso’ foram rimadas dessa forma, sempre com ‘sorriso’ como termo A e ‘paraíso’ como termo B”, diz.
As rimas de natureza sentimental ocuparam 87% das canções analisadas, com mais incidência no gênero “pop”, contando com a contribuição de gênios como Latino, Kelly Key, Wanessa Camargo e o grupo Revelação.
As rimas com verbos no infinitivo e no gerúndio também foram muito recorrentes.

Mas, afinal de contas, por quê?
Preguiça ou incapacidade intelectual do compositor?
Falta de vergonha na cara?
Vício?
Exigência mediana do ouvinte?

Postos os possíveis motivos e, fazendo uso da liberdade poética, seríamos induzidos a elaborar uma interpretação mais adequada para a expressão “poluição sonora”.

Um comentário:

Fernanda disse...

Coitado desse pesquisador, será que ele sobreviveu depois de ter analisado tão profundamente as "canções" do Latino, Kelly Key, Wanessa Camargo e Revelação?

Adorei essa pesquisa.