segunda-feira, 21 de julho de 2008

As Oito Alfinetadas na Publicidade

Estou de férias. Por isso não acompanhei o IV Congresso Brasileiro de Publicidade de perto, como eu faria normalmente. Acabei não lendo todas as notícias, coberturas, textos, debates, repercussões, etc. Mas li esse primoroso texto do Alexandre Gama, da NeoGama/BBH. De tão primoroso, resolvi transcrevê-lo aqui. É a pura verdade. Pensemos a respeito. Façamos algo a respeito.

AS OITO ALFINETADAS NA PUBLICIDADE
Por Alexandre Gama

Quando eu procurava uma imagem que ilustrasse a necessidade de resgate da importância e seriedade da publicidade, me veio à mente a imagem do bonequinho de vodu com seus alfinetes. São muitas as alfinetadas que a publicidade e a comunicação têm levado. Algumas masoquistamente auto-infligidas, outras por mãos leigas. E oito desses alfinetes são, para mim, os principais problemas éticos que precisam de reflexão e ação da nossa indústria para serem removidos definitivamente do corpo da categoria.

1. Opinião pública negativa:
Existe, historicamente, uma percepção negativa da publicidade. Ela é fruto da visão rasa e simplista de que vários problemas da sociedade de consumo são de responsabilidade da publicidade. Mas, tendo a publicidade apenas a função de voz da indústria e dos produtos e marcas que dela se utilizam, essa visão é o equivalente da “síndrome do mensageiro”, em que, para se eliminar um fato que não agrada, se mata quem traz a notícia do fato.Além de rasa e simplista, essa é, obviamente, uma visão injusta. O que tem de estar em xeque e em constante evolução é o próprio conceito de sociedade de consumo. E podemos perfeitamente migrar para uma sociedade de consumo responsável, mas não será simplesmente calando a publicidade que se chegará a ela.

2. Mensalão:
Esse é um alfinete que espetaram fundo no coração da ética da publicidade. Foi o maior dano que se causou à imagem da profissão e do publicitário na história. Por causa de duas pessoas, milhares de profissionais sérios tiveram sua atividade manchada e questionada. É o nosso equivalente do Holocausto. Não podemos esquecer nunca desse episódio, sob risco de vê-lo repetir-se. A publicidade é a alma do negócio e não a mala do negócio.

3. Cerceamento à liberdade de expressão comercial:
É um alfinete que empurram cada dia um pouquinho mais fundo. Com tantos projetos tramitando para “regular” a publicidade, corre-se o risco de ver, além de um flagrante desrespeito à base da Constituição, o cerceamento a liberdades mais amplas e fundamentais. Lembrando Julio Cortázar: “Um dia eles vêm e roubam uma flor do seu jardim e você não faz nada. No dia seguinte, eles tiram o capacho da porta da sua casa e você não faz nada. Até o dia em que eles entram na sua casa para levar você. E aí já é tarde para fazer alguma coisa.”.Como publicitários e cidadãos, não podemos esquecer que o preço da liberdade é a eterna vigilância.

4. Falta de esprit de corps:
Um alfinete auto-infligido. Até agora não tem havido união em torno dos pontos básicos do negócio e da prática da profissão.Tem sido cada um por si, Deus pra quem for mais esperto.As lideranças atuais das agências têm grande parcela de culpa nessa situação e a nova geração tem a chance e a missão de mudar isso. O 4º Congresso é na verdade, a meu ver, o Ground Zero dessa mudança. A simples realização dele já pode iniciar uma guinada em direção ao estabelecimento de um esprit de corps que hoje é inexistente.

5. Concorrência predatória:
Depois do “mensalão”, essa é uma das alfinetadas éticas mais doídas que a publicidade tem levado. As concorrências privadas precisam de regras claras, de clientes que as conheçam e respeitem e de agências que não as burlem. Para começar, minha sugestão é que toda concorrência que um cliente queira fazer seja iniciada com registro na ABAP e na ABA. As duas entidades então informam ao CENP, e o mercado como um todo fica ciente de que um processo de concorrência foi iniciado de forma transparente. Agindo dessa forma, a empresa tem a chance de esclarecer eventuais dúvidas e de se inteirar do código de ética e das práticas responsáveis do negócio da comunicação, sem desculpas de eventual desconhecimento de como deve realmente ser uma concorrência séria e profissional.
Outra proposta: todas as concorrências devem ser remuneradas, por um valor a ser estipulado e acordado entre a ABA e a ABAP.
Por fim, a todas as agências que esquecem que até na selva há regras que preservam a própria selva fica estipulado:1. Não fazer proposta de remuneração zero para ganhar concorrência (como tem acontecido freqüentemente nestes últimos anos).2. Não quebrar o nível da taxa de remuneração contrariando o CENP. 3. Não fazer (ou aceitar) oferta de devolução de BV para ganhar o processo. 4. Não utilizar equipes de outras agências de um mesmo grupo que esteja em determinada concorrência, num flagrante engodo ao cliente, que assim não estará avaliando o que a agência realmente é. Além disso, essa prática é uma total deslealdade para com as agências concorrentes e o processo.
Na verdade, os processos de escolha de agência devem ser preferencialmente por apresentação de suas credenciais, cases, filosofia, clientes e trabalhos, sem concorrência de trabalho especulativo. São esses elementos palpáveis que mostram, na linha do tempo, quem essa agência é. Essa é a melhor maneira de escolher um parceiro estratégico tão importante. Agência não é carro e não se escolhe por um mero test-drive.

6. Inconsciência da própria importância:
Sem autoconhecimento não há consciência. E, sem consciência, como haver ética? Conhece-te a ti mesmo. E, para termos mais conhecimento sobre a importância dessa indústria, aqui vão alguns números. A comunicação movimenta R$ 57 bilhões como receita total. Paga mais de R$ 6 bilhões em impostos e taxas. Participa de 106 mil empresas e emprega 640 mil pessoas, pagando quase R$ 7 bilhões em salários e obrigações trabalhistas. Isso sem falar das universidades e cursos, que são os mais procurados do país. De posse desses números é que a publicidade deve se fazer respeitar e se dar ao respeito. Este não é qualquer negócio e não pode ser tratado e se tratar como um negócio qualquer.

7. Baixa atuação como categoria:
É curioso como, estando no ramo de construir percepção para marcas, temos sido pouco competentes em construir a nossa própria. O 4º Congresso foi o primeiro passo mais sério nessa direção, mas em vez da 4a edição já deveríamos estar na quadragésima. Tem que haver um congresso por ano ou bienalmente. A indústria da comunicação tem que se comunicar.

8. (In)sustentabilidade:
Essa é a grande questão ética do século e a nossa indústria não pode fugir dela. Independentemente de categoria profissional, porque é da categoria humana. Cada elo da cadeia da indústria da publicidade ― das agências e veículos às produtoras e fornecedores ― tem que se envolver seriamente com essa questão. Nosso papel na sociedade de consumo não é só o consumo, é também a sociedade. A NEOGAMA/BBH pratica a sustentabilidade ativamente como empresa e também criando idéias nessa área para os clientes, como o caso do Banco do Planeta, que em menos de um ano já aplicou mais de R$ 200 milhões na sustentabilidade e, em parceira com o Governo do Amazonas, criou a Fundação Amazonas Sustentável. Por tudo isso, para “resgatar” a imagem da publicidade e do publicitário, precisamos ir além do blá-blá-blá no trato dos nossos problemas mais crônicos e adotar as soluções que fazem da ética mais que uma palavra escrita. Afinal, comunicação começa com “comunica” mas termina com “ação”.

Alexandre Gama - presidente e diretor geral de criação da Neogama/BBH

2 comentários:

Anônimo disse...

Acredito que esses "alfinetes" são tópicos a serem discutidos separadamente, pois cada um possui uma vertente diferente e merece mais atenção. De qualquer forma é um começo para uma atuação realmente mais profissional, com profissionais contratados corretamente (e isso quer dizer sim, com registro trabalhista e sem essa história de cooperativa) e sem o glamuroso "pão e circo" oferecido ao próprio mercado para mantê-lo, com estrutura fica muito mais fácil evoluir e buscar sustentabilidade.

Ótimo post

Raul Otuzi disse...

Grande idéia, Fábio!

Acredito que devemos sim, discutir cada tópico separadamente e em detalhes. Pretendo fazer isso ao longo das próximas semanas. Espero que você contribua com seus sempre pertinentes e ótimos comentários.

Abração!