quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Teoria de quinta

Com a licença do Raul, que costuma publicar as teorias, hoje me atrevo a postar um texto de minha autoria.

A sobrevivente.

Às vezes, como um raio num dia ensolarado, as reclamações do Genésio voltam à minha lembrança. A última, se não me engano, foi na primeira década do século XXI.
Existia um negócio que uns chamavam de propaganda, outros de publicidade.
Era vista com glamour, principalmente por quem aspirava fazer parte dela, mas para a grande maioria era extremamente irritante.

Realmente não fazia muito sentido. Umas empresas contratavam outras para aumentar seus lucros e, para isso, as contratadas despejavam nos meios de comunicação mensagens enaltecedoras de produtos e serviços que nem sempre correspondiam à verdade. Grande parte dessas mensagens interrompia o pouco tempo de entretenimento do cidadão comum. Imagine um sujeito que trabalhava o dia inteiro (para conseguir comprar os produtos anunciados), chegava em casa quebrado e, naquela horinha de descanso, na parte mais intrigante do filme ou da novela, um chato invadia a tela berrando que naquela loja tal coisa era mais barata, que aquele produto era o melhor dos melhores, dizendo que aquele sujeito, ali sentado, merecia mais, que ele seria feliz se comprasse aquele aspirador de pó ou aquela escova de dentes elétrica.
Sim! Aquele trabalhador que, no frigir dos ovos só queria acompanhar o desenrolar da trama televisa, merecia um novo par de tênis, mesmo se ele já possuísse uns vinte.

Não é de se surpreender o nosso espanto de hoje. Acreditem vocês que existiam empresas que mantinham enormes placas com anúncios nas calçadas e, a cada quinze dias, as mensagens, que tinham o intuito de persuadir os motoristas, eram trocadas. Efetivamente, essas placas serviam pra duas coisas: primeiro, pra atrapalhar a vista, ora da natureza, ora da arquitetura da cidade. Segundo, pra aumentar o índice de acidentes de trânsito entre publicitários e homens de mídia, os únicos que realmente prestavam a atenção às mensagens.

E pensar que estudavam anos as pessoas que mexiam com isso. É sério! O grande Genésio, que Deus o tenha, não me deixaria mentir. Trabalhou a vida inteira com esse troço. “Não saio da frente do computador, vejo e revejo pesquisas, gráficos, slides, pra no final, colocarem no ar aquele sujeito insuportável gritando ou enfiarem aqueles trocadilhos infames nas revistas e jornais”.

Não que não existissem métodos mais inteligentes pra vender. Claro que existiam. Vez por outra aparecia uma idéia bacana, algo que envolvia a gente, que emocionava.
Mas, a grande maioria, não ultrapassava os limites do discurso. Algumas agências, inclusive, surfando nessa necessidade de inovação, começaram a bater no peito, se intitulando detentoras da mudança. Esbravejavam para Deus e o mundo que faziam coisas diferentes, que pensavam “fora da caixa” e tudo mais. O máximo que, de fato faziam, era usar uns termos que eles sequer desconfiavam dos significados.

Eis a pergunta que não quer calar: por que perdurava esse sistema? Porque era interessantíssimo para os grandes conglomerados de comunicação que assim fosse, ora pois. Quanto mais o anunciante gastava em mídia, mas eles faturavam. Então, pra que uma grande idéia? Pra que tirar o chato da TV?
Mas o tempo foi passando e o negócio foi inchando. Chegou uma hora que as comportas não agüentaram e a água vazou. Como um escorpião cercado pelo fogo, a propaganda, como Genésio a concebia, sucumbiu.
Círculo vicioso furado, clientes em falta, negócios falindo. Os arcaicos sistemas de comunicação tiveram que se virar às avessas. E como Darwin previu, os que não se adaptaram foram extintos. Do total de empresas desse ramo, sobraram uns 20%.

E, ainda hoje, cinqüenta anos depois, a insegurança paira no ar. Mas de uma coisa podemos ter certeza: o Genésio pode estar fazendo de um tudo no Paraíso, mas os gráficos pluviométricos de São Pedro, isso ele não faz nem por decreto divino!

3 comentários:

Anônimo disse...

Vixi! Dá até medo de começar a trampar de verdade....

Anônimo disse...

A lógica é simples, vejamos:

Comunicação mais inteligente = marcas mais bem avaliadas.

Marcas mais bem avaliadas = consumidores mais fiéis.

Consumidores mais fiéis = vendas garantidas.

Vendas garantidas = lucro certo (tanto para o cliente quanto para a agência).

É a porra do pensamento imediatista que fode tudo. Agências e clientes queimam etapas para garantir lucro rápido e dane-se o amanhã. Que chegue logo o dia em que essas cabeças deixem de existir.

Belo texto, Matheus.

Anônimo disse...

Muito bom Matheus. Ótimo texto para pensar e também dar umas boas risadas.