segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Filosofia de segunda

O que não inspira a igualdade racial

Está nas manchetes dos principais jornais. Estamos a poucos dias de um momento sem precedentes na história. Um negro pode assumir a presidência da maior potência do mundo.

Mas, pare para pensar. Por que esse feito nos surpreende tanto?

Na antiguidade, entre os gregos, romanos e egípcios não havia o racismo tal como hoje. O que se dava era uma relação entre vencedores e cativos que, muitas vezes, compartilhavam a mesma matriz racial.
No século XV, com a expansão marítima, os europeus chegaram à África, mas, até o século XVIII não houve grandes atritos raciais, já que foram possíveis acordos comerciais entre negros e europeus. No entanto, no início do século XIX, com o desejo de colonizar o continente, os europeus forjaram justificações para infligir aos povos colonizados as suas leis e forma de viver. Uma dessas justificações era baseada na idéia que o negro pertencia a uma raça inferior.

Se regredirmos um pouco na linha temporal e bebermos da fonte dos primeiros filósofos, denominados pré-socráticos, não haveria fundamentação para tal preconceito.
Seis séculos antes de Cristo eles ressaltaram a noção de physis, que pode ser entendida como tudo o que há; princípio do qual surgem e desenvolvem-se todas as coisas.
Então, se a physis é a unidade presente na multiplicidade, ela une tudo o que existe e faz com que tudo seja parte do todo, como poderia o racismo sustentar-se?

Aristóteles, dois séculos mais tarde, hierarquizou as propriedades dos objetos (inclui-se o homem) em essenciais e acidentais. As essenciais, como o próprio nome diz, são a essência dos seres, o que lhes é primordial. As acidentais, como a cor da pele, não são intrinsecamente substanciais.
Logo, sob esta perspectiva o racismo também não teria alicerce.

A biologia nos mostra que a raça é uma subespécie da espécie. Mas, a inversão biológica que atribui mais valor à cor da pelo do que a humanidade tem sido responsável pela distorção do próprio conceito de HOMEM.
Eis uma questão: Será que, como numa corrida de revezamento, não herdamos o bastão da distorção e estamos repassando-o para as futuras gerações ainda mais distorcido?

Semana passada fui a uma palestra intitulada “Racismo: preconceito às avessas?”. Confesso que sai da sala cabisbaixo, com uma enorme culpa sobre os ombros. Meu Deus, eu sou branco!

Eis algumas das palavras da palestrante:
“Eu defendo as cotas, sim. Como pode um negro que levanta às seis da manhã, pega dois ônibus e trabalha doze horas por dia, competir com um branco que tem todo o tempo para estudar?”
Sou um branquelo vagabundo!

Eu, particularmente, vejo as cotas como uma manifestação de racismo mais grave do que um “não” numa entrevista de emprego.
É inegável a história de dominação ao qual o povo negro foi submetido e, como providência imediatista, as cotas cumprem um papel de inclusão. Mas, não passam de um remendo histórico.
E, se há cotas para negros, por que não para homossexuais ou deficientes, por exemplo, que são tão vitimas de preconceito quanto os primeiros?
Em relação aos povos indígenas, sobram argumentos. Hoje, o índio é quase uma entidade metafísica. Comemora-se o seu dia nas escolas como cumprimento curricular, as crianças pintam o rosto, se enfeitam com penas. Mas, se uma delas encontrasse um índio de verdade, sairia correndo como se fugisse do saci ou da mula sem cabeça.
Mas orgulhemo-nos! O índio é um ícone do folclore nacional!

Uma criança negra, segundo a palestrante, cresce sem identidade, pois desde cedo, afirmam a ela que seu cabelo é ruim, que seu nariz é largo, que sua boca é feia.
Ou seja, para a palestrante, a falta de identidade de um povo, resultante da opressão cultural e histórica, resume-se a uma questão estética.

Outra colocação da ilustre oradora: a proposta de um alfabeto negro. Ao invés de alfabetizar as crianças com palavras comuns, utilizariam palavras do contexto cultural negro. Por exemplo: E, de elefante, seria substituído por E, de escravo.

Perguntada sobre as eleições nos Estados Unidos, ela respondeu:
“Não sou democrata, mas com certeza votaria em Obama”
“Por quê?”
“Porque ele é negro!”

Argumentos como esses empobrecem uma causa que é justa por direito. Deixam o uno cada vez mais múltiplo.
Não se pode permitir que as pessoas que clamam por igualdade sejam as mesmas que fomentam a segregação.

Ainda na palestra, uma das expectadoras manifestou-se:
“É um absurdo que não haja anjos negros. Na escola em que dou aula, tivemos que pintar de preto um anjinho, para que os alunos negros se identificassem”

O outro palestrante, muito mais sensato, replicou:
“É óbvio que não existem anjos negros. O cristianismo é uma religião que se arraigou na Europa, entre os brancos. Não deve haver anjos negros, como não há deuses africanos brancos.”

Não contente ela voltou a falar:
“A ocidentalização do Cristo, que o deixou loiro e de olhos azuis é uma afronta, já que na região onde ele nasceu, era quase impossível que assim fosse.”

Novamente o palestrante:
“A mim, pouco importa se o Cristo era loiro ou preto. Aliás, prefiro que ele seja loiro. Agora, só não vem empurrar o diabo para o meu lado como costumam fazer.”

Conceitos e exemplos simplistas como os colocados nesta palestra não podem ser o embasamento para um debate que se faz necessário sobre o racismo.

É preciso que as discussões tomem mais profundidade. Que o cerne do problema seja tocado. Senão, ao invés de combater o racismo, estarão o incitando.

2 comentários:

Andre L disse...

Tá tudo muito deturpado, essa palestrante podia até ter uma real vontade de ajudar, mas as razões as quais elas se aprofundou são totalmente sem sentido.

Anônimo disse...

Acho bom que o vespeiro seja agitado dessa forma, assim algo acontece, se bom ou ruim veremos, mas o importante é acontecer alguma coisa através do embate de idéias e deixarmos esse racismo velado que ocorre em nosso país de lado e começarmos a pensar que os negros chegaram aqui numa situação bem diferente do resto dos imigrantes (italianos, japoneses, alemães, judeu, etc) e precisamos sim de medidas sociais de inclusão para que os morros e favelas de nossas cidades deixem de ser herança das senzalas. As cotas universitárias para negros é uma etapa importante para essa inclusão, algo que não deve ser permanente, mas necessária para a formação uma nova geração de brasileiros negros. O fato de um negro votar em outro negro é apenas um fator de auto-proteção, nada mais humano, assim como qualquer conchavo político informado corriqueiramente nos noticiários.