Esse título fala “publicitês”, diria grande parte dos diretores de criação. Tem ironia e um duplo sentido que, apesar de duplo sentido, enseja uma séria questão axiológica. Se meu filho (embora ainda não o tenha) chegasse de supetão e dissesse “pai, quero ser publicitário!” o que eu faria? Primeiro, usaria de todos os subterfúgios para arrancar essa idéia maluca de sua cabeça. Se o moleque batesse o pé, aconselhá-lo-ia a não cursar Publicidade, Propaganda, Marketing e afins. A faculdade, ao mesmo tempo em que suscita um deslumbramento, condiciona o universitário a pensar publicitariamente, dentro de um modelo pré-concebido. Eis o primeiro sentido de não fazer publicidade que o título sugere. Mas, não fazer publicidade, significa, principalmente, não praticar essa publicidade bunda mole, viciosamente circular, que é mera reprodução. Uma publicidade que usa o que já deu certo como meta e não como parâmetro para fazer diferente.
A maioria dos publicitários de hoje entende um tanto de publicidade, mas não entende de comunicação. A começar, não conhecem os mecanismos do conhecimento humano, as possibilidades que a sua estrutura cognitiva propiciam. Mais que isso: não conhecem o funcionamento da vontade, da faculdade de desejar, que é a mola propulsora do consumo; aquela faísca que desperta a empatia por esta ou aquela marca e cria a necessidade de compra.
Não conhecem, ainda, os meandros do sistema que fomentam, o sistema para o qual trabalham 10 ou 12 horas de cada santo dia seu. Por que é assim e não assado? Quais os caminhos históricos percorridos que fazem do mundo o que ele é hoje? Qual a origem do capitalismo? Grande parte não conhece sequer a origem da propaganda. Não sabe que se faz propaganda (propagare em latim) desde a Idade Média pela Igreja Católica com o intuito de difundir a fé cristã e que bem antes disso (mesmo sem a utilização do termo), os escritos de Lívio, já eram obras-primas da propaganda estatal pró-Roma.
Aí, quando questionados, quando colocados contra a parede, as reações dos profissionais são as mais diversas, dependendo da área de atuação.
Uns vêm com milhares de gráficos, tabelas, slides e querem mostrar que a publicidade tem um “quê” de exatidão. Querem provar por A mais B que a propaganda pode ser ciência. Mas, esses profissionais, que andam com a calculadora na bolsa e o esquadro debaixo do braço, apresentam, por exemplo, perfis sociais que mais parecem referir-se a pastas de um almoxarifado do que a pessoas. “É preciso fazer essa mídia e aquele canal para atingir o público-alvo (target para os mais empolados) - homem, 25-50, classe B”. São receitistas. Para a doença X, o remédio Y funciona. Por quê? Porque sempre funcionou, ora bolas.
Do outro lado, os ávidos por novidade. Engajamento, envolvimento, convergência, conteúdo colaborativo, redes sociais. Eis alguns termos já desgastados para esses caras (sem contar as milhares de siglas que nem eles mesmos sabem os reais significados).
“Nessa campanha, vamos usar o Twitter, You Tube, criar um perfil no Orkut e outro no Facebook...”
“Ótimo, mas o quê, efetivamente, vamos colocar nesses meios?”
“Isso depois a gente vê.”
Não sabem distinguir o novo da novidade. O novo é aquilo que chega e implanta uma modificação positiva e consistente. A novidade é efêmera. É modismo. É passageira. Ilustro com o “Second Life” que era a grande revolução para muitas marcas. E quem, hoje em dia, cogita-o como ferramenta de comunicação?
Muitos usam a novidade como válvula de escape, como máscara para a falta de conteúdo. E mais: vivem mais o virtual do que o real. Têm mais amigos no Orkut do que na vida. Conversam com o colega de trabalho por MSN. Resultado: não têm um pingo de sensibilidade, de tato. Fazem uma publicidade que nada tem de humana.
Especificamente em criação, conheço vários “redatores” que não sabem escrever. Não conhecem a linguagem, não leram as obras mais essenciais para a formação cultural de qualquer cidadão. Sequer têm o hábito da leitura. “Diretor de arte” que não conhece minimamente História da Arte, do Design, Cinema e Fotografia é o que não falta.
Mais do que erudição, falta a esses profissionais, Espírito Artístico (no sentido lato, expresso na filosofia do romantismo alemão do século XIX). Tanto quem cria, quanto quem contempla tem que ser tocado artisticamente. Trago um pequeno trecho de João Francisco Duarte Júnior que nos auxilia a esse respeito: “A arte tem o poder de, quando contemplada, estimular o contato frente a frente com nossos próprios sentimentos.”
Então, veja menos propaganda. Estude psicologia, filosofia, literatura, arte. Escute música clássica, MPB e Jazz. Vá a museus e teatros. Mas nunca, nunca mesmo, deixe de freqüentar o sambão da periferia e o forró do subúrbio. Converse com o povo. Tire uma tarde para bater aquele papo com o aposentado na praça ou com o sorveteiro da esquina.
Com isso, você poderá aprender o essencial à boa propaganda: contar histórias. Apesar de ser uma celebração desde que a humanidade se percebeu como tal, pouquíssimos sabem fazer bem. Homero, na Grécia Arcaica, com as suas grandes epopéias, refletia o espírito do povo; era difícil, embora transmitidas oralmente, um grego que não conhecesse as sagas de Aquiles e Ulisses. Outro exemplo ímpar é o efeito catártico que as tragédias gregas engendravam nos cidadãos. É de arrepiar imaginar 35 mil pessoas reunidas na “arena” para contemplar em êxtase uma história que ia além do entretenimento, era a própria visão de mundo, a representação artística da existência humana. Exemplos tupiniquins não faltam pra compor a nossa banca. Monteiro Lobato, Machado de Assis, Drummond e, porque não, Portinari são exemplos de exímios contadores de histórias escritas e imagéticas.
Acredito que a grande revolução da propaganda não é tecnológica ou digital. O dia em que a propaganda começar a contar histórias envolventes de verdade, esse dia vai ser revolucionário. E, a partir desse dia, poderemos falar em Comunicação.
segunda-feira, 16 de novembro de 2009
Quer ser um bom publicitário? Não faça publicidade.
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7 comentários:
Uma pena confirmar que é quase unânime que todo publicitário deseje outra carreira para seus filhos. É a prova de que é um mercado sem estrutura, uma promessa falsa em que a boa gestão empresarial é substituída pelo “pão e circo” dos prêmios publicitários e a fama de “gente descolada cool”(só entre os funcionários de agência, o resto do mundo não nem liga pra isso), mas que ganham pouco recebendo seus salários em esquemas do tipo “se for CLT é um tanto, mas se for PJ você consegue mais um tiquinho sabe?”. Daí potencializa o canibalismo setorial. O meio publicitário não se defende e nem tem condições para isso, porque os agentes de mudanças (pessoas, em sua maioria, colaboradores de agências) estão todos ralando demais para ganhar pouco e ainda buscam “freelas” para tentar aumentar sua renda e piorar a informalidade do setor, muito diferente de profissões mais estruturadas, mas que também são geradas de prestação de serviços tal como médicos, advogados, engenheiros, arquitetos, etc. Sem dinheiro e boas condições de trabalho a coisa não anda.
Concordo em gênero, número e grau com você, Fábio.
Abraço!
Cara, eu tenho esperança. Sério.
Não acredito que as faculdades evoluam ao ponto de formar profissionais aptos e conscientes.
Não acredito que a dinâmica desse mercado se torne mais sustentável e mais lógica. Não tão cedo.
Mas acredito na busca pela realização. Acredito que existam aqueles que irão contra os padrões sociais por instinto, ou por birra mesmo. E que vão fazer a sua revolução. Vão fazer virar, mas de um jeito que faça sentido.
Por isso, propaganda sempre será um bom negócio para quem se preza a abrir a cabeça e colocar o coração na mesa.
O mais legal é que há 4 anos atrás, na época da faculdade, eu pensava exatamente o contrário. Sr. Tempo Bom, Sr. da Razão.
Acho que Raul deveria ler esse texto nas aulas dele.
Muito interessante o texto, gostei bastante. E, infelizmente, concordo em gênero, número e grau.
É uma pena ter saido da Barão antes de tê-lo como professor. Adorei o texto, muito bom. Concordo plenamente.
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