segunda-feira, 25 de maio de 2009

Filosofia de segunda

Onde há fumaça há fogo!

Esta conhecida máxima é um exemplo que, apesar de trivial, cumpre bem o papel que aqui lhe cabe: ressaltar como alguns pensamentos se petrificam, entram na “tradição” e passam a fazer parte das nossas vidas. Tornam-se verdades, sem passar pelo questionamento sobre a sua fundamentação. Quantas e quantas vezes não afirmamos “isto aconteceu por causa daquilo”. Mesmo sem saber, estamos fazendo uso de um caro conceito filosófico, o de causalidade, que afirma que todo efeito tem, necessariamente uma causa.

Desde Aristóteles (século V a.C.), a causalidade tem fundamentado vários sistemas filosóficos. Até que, no século XVIII, o pensador David Hume a questiona.

Hume não chega a negar a existência da relação causal. Nega simplesmente que se possa ter conhecimento dessa realidade e atribui ao hábito mental (hábito poderia ser entendido como vício) a afirmação dessa concepção. Dois exemplos: se perguntado por que o sol nascerá amanhã, provavelmente responder-se-ia que ele voltará a nascer porque há milhares de anos, todos os dias isso vem acontecendo. Assim, incorre-se numa falácia (erro no raciocínio ou argumentação), a falácia da falsa causa que considera que um acontecimento é causa do outro simplesmente porque um antecede o outro (ontem aconteceu, hoje aconteceu, amanhã deve acontecer). Outra falácia comum é considerar a causa de um efeito algo que não é sua causa real, por exemplo: ao tomar um remédio à base de erva, o senhor Sebastião, depois de duas semanas, curou-se de um resfriado (isso aconteceria com ou sem remédio).

A causalidade é capaz de produzir uma conexão a ponto de nos dar certeza de que a existência de um objeto foi seguida ou precedida de outra existência. Através dela, afirmamos a existência de objetos que não vemos nem ouvimos. Pegando como exemplo o ditado que intitula esse texto: a relação de causalidade entre fogo e fumaça me faz acreditar que quando vejo a fumaça, deve haver fogo em algum lugar que eu não veja.

Mas não poderia ser neblina ou, até mesmo, uma máquina de fumaça?

A noção de causalidade, como vimos, acontece devido ao hábito. A repetição da seqüência de duas impressões faz que cada uma delas comunique a “vivacidade” de outra idéia e nos leva a crer que a outra também existe. Se a existência de uma é acompanhada pela crença na existência da outra, convencemo-nos de que uma não pode existir sem a outra. Convencemo-nos de que entre elas há uma conexão necessária.

A relação causal é intuída, não é captada imediatamente (sem mediação).
Essa tese é evidente para os objetos que conhecemos pela primeira vez: “Adão, ainda que tivesse sua racionalidade totalmente desenvolvida, não poderia ter inferido da fluidez e da transparência da água que esta o poderia afogar”. Nem mesmo para os objetos que já conhecemos experimentamos a ação causal: quem poderia intuir o poder nutritivo de um pão? Os sentidos nos informam sobre algumas de suas propriedades (cor, sabor, peso, aroma), mas se nos fosse dado outro corpo semelhante, desprovido de nutrientes, certamente não perceberíamos.

O intuito desse artigo não é que entendamos perfeitamente a lei de causalidade. Esta foi utilizada como pano de fundo para fomentar a nossa reflexão, para que coloquemos em xeque tudo o que temos como verdade absoluta.

Às vezes temos que agir como Descartes que, para iniciar seu sistema filosófico “destruiu o edifício do saber” e começou do zero, desde o alicerce.

Precisamos nos despir de certos conceitos e preconceitos e esvaziar o nosso copo do saber para que possamos enchê-lo com água cada vez mais límpida.

2 comentários:

Fran disse...

Depois de alguns meses, você concluiu aquela conversa.
lembra?

Renata disse...

Olá, Matheus!!! Reflexivo seu texto!!! Porém, com todos os conceitos e estudos comprovados cientificamente, acredito que esvaziar o copo seja algo impossível. Sou mais da opinião da troca, da assimilação e acomodação constante apresentada por Jean Piaget.
Acredito que esse conceito de que o ser humano venha sem nada, nenhum conhecimento ou conteúdo, como uma tábua rasa, já fora admitido; porém, sabemos que isso realmente não acontece e tratá-lo como ser passivo de recebimento de informações, não tem bons resultados. Estudos e práticas comprovam que o sujeito-aprendiz deve ser seu próprio agente de crescimento intelectual e que o desenvolvimento intelectual só tem significado quando inserido à esse eu agente.
É necessário levarmos em conta os conhecimentos prévios das pessoas e questioná-los constantemente a fim de um progresso. Quando ocorre a desestabilização de um conceito antigo, algo se modifica qualitativamente e esse processo se torna uma constante.
Essa reflexão, ainda me retoma uma outra conversa que já tivemos... o caso do tentar estar sempre certo em nossas idéias e “sempre ganharmos em conversas, persuasão”. Será que assim estamos ganhando mesmo? Rs...
Se entrarmos sempre como senhores da verdade, não conseguiremos trocar nada, portanto, permaneceremos no mesmo estágio. O que seria uma pena! Percebermos que estamos inacabados nos proporciona sentimentos ruins, dependendo do ponto de vista. Mas, se fossemos prontos e essa verdade absoluta já existisse, o que teríamos pra buscar?
Abração pra ti e muito obrigada pelas trocas ricas que você me propõe.